Ética Descartável
Disfarçado, quase que invertendo o sentido do dedo indicador, devagar e em pezinhos de lã, o mea culpa do Fundo Monetário Internacional vai chegando. Vivek Arora, director do departamento de Análise Estratégica e Política do FMI, afirmou que em casos em que a sustentabilidade da dívida não pode ser categoricamente assumida, a restruturação da mesma é – e passo a citar – “a solução desejável”. Vai mais longe, dizendo que a restruturação teria sido o passo acertado para evitar que “o peso do ajustamento fosse transferido da redução da dívida para um esforço de consolidação orçamental muito grande”. Concretamente e sem floreados demagógicos, aquilo que isto quer dizer, é que se a dívida tivesse sido restruturada à partida, conforme foi sugerido pelos diversos agentes políticos da Esquerda portuguesa, não teria sido obrigado a reduzir de forma abrupta e desnorteada o défice orçamental.
Mas então, o que é se passou para que esta regra não se aplicasse em Portugal? O risco de contágio é apontado, pelo relatório apresentado pelo Fundo, como o motivo primordial. Parece-me vago e muito pobre, que o risco de contágio surja como motivo: mais, se, este indicador é válido para Portugal, é, de igual forma, válido para outros países com situação análoga. Desta forma, o contágio sistémico internacional até teria sido o mais acertado.
Há que analisar sem tabus dois aspectos cruciais. O primeiro é que dívida aumentou com a privatização do sector empresarial do Estado. A Esquerda, da qual eu represento uma posição ideológica e uma adesão a um partido que não se posiciona tanto centro quanto o de alguns dos membros desta Geração à Esquerda, não pode permitir a descapitalização do Estado, principalmente quando se fala em empresas que distribuem dividendos elevados. O segundo ponto, prende-se com o negócio que a dívida portuguesa foi e é. Por um empréstimo de 79 mil milhões, Portugal vai pagar ao FMI 39 mil milhões. E não é só o Fundo que lucra com isto. Não sejamos inocentes. Não podemos permitir que discursos sobre políticas económicas cedam a pressões, pois, caso o façamos, estaremos a poucos Passos de votar em mercados e não em Partidos.
Já o disse, na minha crónica anterior nesta plataforma, mas volto a repetir: os países não podem ser ratos de laboratório! Com isto, nestes últimos anos, cultivou-se em Portugal o discurso da inevitabilidade, injectou-se o bicho austeritário na moral portuguesa e a ideia de que as pessoas valem menos que a pressa da frágil vaidade estatística. Isto perturba-me, assusta-me: a ética descartável de certas instituições levada ao extremo! Que esta Geração não o permita mais (estou confiante que não o fará!)
Nuno Menezes