O Pudor dos Contratos de Associação
Existe uma clara distinção narrativa entre quem é apologista ou contra a manutenção na integra dos contratos de associação, no entanto mais do que um debate ideológico, o debate está centralizado no caráter interpretativo da lei: ao consultar a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo facilmente se identificam os argumentos utilizados por ambos lados da bancada.
Algo que já não suscita dúvidas é que, de facto, o princípio de criação de contratos de associação, em muitos dos contratos que subsistem nos dias de hoje, já não existe. Uma vez que o seu propósito é o de colmatar as zonas onde não exista oferta educativa estatal. Lei n.º 9/79, de 19 de março, artigo 8.º cito “Contratos com estabelecimentos que, integrando-se nos objetivos e planos do Sistema Nacional de Educação e sem prejuízo da respetiva autonomia institucional e administrativa, se localizem em áreas carenciadas de rede pública escolar”. Hoje mesmo foi emitido um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que vem fortalecer esta mesma questão.
Mais do que a Lei, trata-se de justiça social
Parece tabu afirmar que a estes estabelecimentos de ensino está associado um certo elitismo. É do conhecimento geral que a maioria dos estabelecimentos de ensino privado tem a corda apertada nos critérios de seleção dos alunos. A existência da MEC e IGEC enquanto fiscalizadores não tem produzido grandes efeitos no cumprimento do quadro legal vigente.
Alguns deputados do PSD desmentem, afirmando que os colégios integram alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e a propósito destas afirmações remeto à leitura das estatísticas disponibilizadas pela dgeec onde os dados são claros: Alunos com NEE no ensino não superior nos estabelecimentos públicos – 68 608 (87%) – nos estabelecimentos privados – 9 567 (12%) – embora os contratos de associação com os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo de nível não superior passem a integrar a rede pública, nos estatutos existe a margem de distinção conceptual entre público e privado para efeitos de comparação. As seleções mencionadas discriminam ainda, e essencialmente, as etnias e capacidades económico-financeiras.
Não seria justo abordar o tema sem mencionar o papel de vitimização dos colégios: de que o Estado soube utilizar os colégios quando precisava e agora “descarta-os”. Que se coloque um ponto final pois o utilitarismo foi mútuo. Mais grave ainda tratasse da já falada instrumentalização das crianças. A abertura das escolas para a realização de inquéritos ou palestras acerca de educação sexual é muitíssimo estreita, mas para manipular e instrumentalizar os alunos em prole dos interesses do monopólio a conversa é outra.
O PSD e CDS ao se associarem à manifestação estão claramente a defender a instrumentalização das crianças, a colocar à frente do interesse nacional os interesses particulares e mais gravoso ainda, a defender um espécime de seleção social.
O Estado não deixará nenhum aluno sem escola, na existência de oferta estatal, não se justifica o investimento duplicado do Estado. Uma fatia de bolo dividido por dez ou por cinco varia nas quantias direcionadas para cada ator. O Estado deve investir na melhoria do serviço educativo público e na diminuição do gap social. Os mais pobres são sempre os mais prejudicados e neste cenário, não varia. A igualdade de oportunidades está muito longe de ser alcançada, se esta mentalidade continuar, mais longe estará.
Raquel Rodrigues Carvalho